O Departamento de Estado norte-americano considera que o Governo angolano deu passos importantes para punir os abusos de direitos humanos, mas alertou para cultura de impunidade e corrupção que continuam a travar a responsabilização pela prática destes actos.
Em causa estão nomeadamente os abusos das forças de segurança, incluindo mortes extrajudiciais e a violência contra mulheres, destacados entre os casos de violações dos direitos humanos no relatório hoje divulgado pela administração dos EUA, relativo a 2019.
O Departamento de Estado salienta que as autoridades civis mantêm um controlo efectivo sobre as Forças Armadas e a Polícia angolana, consideradas “eficientes”, mas por vezes brutais na manutenção da estabilidade, denunciando mortes e detenções arbitrárias, bem como a existência de presos políticos.
Entre os problemas identificados estão os crimes de violência contra mulheres e crianças, relativamente aos quais “o Governo tem tomado poucas acções para punir”, mas também pressões sobre refugiados e casos de corrupção, apesar de medidas significativas para pôr fim à impunidade de responsáveis de alto nível.
“A impunidade das autoridades e uma aplicação uniforme da legislação anticorrupção continuam a ser um grave problema”, salienta o documento.
Outras das áreas problemáticas são o tráfico de pessoas e os crimes contra pessoas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) apesar de a Assembleia Nacional ter aprovado legislação no sentido de proibir a discriminação, no ano passado.
O Governo liderado por João Lourenço “deu passos significativos para responsabilizar e punir os responsáveis dos abusos”.
Além disso, demitiu e processou judicialmente ministros, governadores provinciais e altas patentes militares e outros responsáveis de alto nível por crimes financeiros e corrupção”, refere o relatório.
No entanto, uma maior responsabilização “foi limitada devido à falta de capacidade institucional, cultura de impunidade e corrupção do Governo”.
Entre os casos analisados no relatório destacam-se o ataque a um grupo de mineiros na Lunda Norte por uma empresa de segurança privada, a 22 de Agosto, que culminou na morte de um homem, bem como mortes extrajudiciais alegadamente perpetradas por agentes do Serviço de Investigação Criminal (SIC), por vezes em coordenação com a Polícia Nacional, para combater o crime.
Há também relatos sobre espancamentos em esquadras e algumas intervenções violentas em manifestações contra o governo. As autoridades angolanas contrapõem que se tratam de agitadores que tentam criar “instabilidade” organizando estes protestos.
De acordo com várias organizações da sociedade civil, a polícia deteve arbitrariamente pessoas que participaram ou queriam participar nas manifestações e embora as libertasse algumas horas mais tarde, algumas foram alvo de acusações criminais.
O relatório aborda também o caso da detenção de 64 activistas do Movimento Independentista de Cabinda, em 28 e 29 de Janeiro. Os activistas estiveram detidos vários meses sem julgamento.
Diferenças procuram-se…
Privação da vida e tortura pelas forças de segurança. Prisões arbitrárias. Violações dos Direitos Humanos. Impunidade. Corrupção. Onde? Em Angola. Quem disse? O Departamento de Estado dos Estados Unidos da América. Quando? Em Abril de 2018.
No relatório sobre a situação dos Direitos Humanos em 2017, divulgado pelo Departamento de Estado norte-americano em Abril de 2018, é referido que em Angola, entre as “formas de punição cruéis”, continuavam a constar casos de tortura e espancamento, em que alguns terminam mesmo em morte, por vezes levadas a cabo pelas autoridades.
Limites à liberdade de reunião, associação e imprensa continuavam a verificar-se em Angola, de acordo com o mesmo relatório, bem como uma forma de “corrupção oficial” e de “impunidade”, juntamente com, até agora, uma “falta de responsabilização” e condenações efectivas, em tribunal, para casos de violações sexuais e outras formas de violência contra mulheres e crianças.
O relatório assinalava igualmente que o Governo angolano “tomou algumas medidas” para “processar ou punir funcionários que cometeram abusos”. No entanto, ainda com níveis “fracos” de responsabilização, devido à “falta de capacidade institucional” e à “cultura de impunidade e corrupção generalizada do Governo”.
O relatório, que analisava o ano de 2017, que em Angola ficou marcado pela transição no poder entre o MPLA e o… MPLA, com a saída de José Eduardo dos Santos, após 38 anos como chefe de Estado nunca nominalmente eleito, e a chegada à liderança do seu pupilo João Lourenço, referia que “embora a lei preveja penalizações criminais por corrupção” para funcionários do Estado, “o Governo não implementou essas leis de forma eficaz”, continuando a ser habituais os relatos de “práticas corruptas” e “com impunidade”.
Acrescentava o Departamento de Estado dos EUA que a corrupção no Governo é “generalizada”, a “todos os níveis”, com uma prestação de contas “limitada”. Processos públicos de casos de corrupção foram “raros sob o Governo [de José Eduardo] dos Santos”, recordava o documento, ao mesmo tempo que assinalava que o Presidente João Lourenço, na sua tomada de posse, em Setembro, anunciou a intenção – tal como sempre fez Eduardo dos Santos – de combater a corrupção no Governo.
“Como em anos anteriores, houve relatórios credíveis funcionários do Governo usaram as suas posições políticas para beneficiar com negócios. O ambiente de negócios continuou a favorecer aqueles que estão ligados ao governo, incluindo membros da família do Presidente”, observava ainda o relatório, que também admitia que a corrupção é transversal, verificando-se, em pequena escala, com polícias, guardas prisionais e até professores.
Escreveu o Departamento de Estado que também os ministros e outros altos funcionários do Estado possuíam, em 2017, “interesses em empresas públicas e privadas”, regulamentadas por, ou fazendo negócios, com seus respectivos ministérios: “Existem leis e regulamentos relativos a conflitos de interesses, mas eles não foram cumpridos”.
“O partido MPLA, no poder, domina todas as instituições políticas”, prosseguia o relatório do departamento de Estado norte-americano, noutro ponto.
Nós é que sabemos, diz o MPLA há… 45 anos
Do único ponto de vista válido em Angola, o do regime, a situação dos direitos humanos no país “não é perfeita, mas há progressos”. É tanta a porrada que os que pensam de maneira diferente levam que, acredita-se, o silêncio e o medo são vistos pelo governo como sinónimo de progresso.
Num relatório divulgado no dia 27 de Fevereiro de 2014 pelo Departamento de Estado norte-americano, relativo a 2013, dizia-se que a corrupção do Governo e do sistema judicial em Angola se registava a todos os níveis, prevalecendo uma cultura de impunidade. Seis anos depois tudo continua na mesma, eventualmente com uma maquilhagem diferente.
“A corrupção do Governo a todos os níveis é endémica” e “generalizada”, dizia o documento. Dizia em 2014 como disse em 2018, como disse em 2019, em 2020, em…
No entanto, na altura pela voz de Bento Bembe – secretário de Estado dos Direitos Humanos – o ponto da situação era diferente: “Não posso dizer que está perfeitamente bom, mas há progressos. Enormes progressos estão sendo registados”. Isto porque, disse, cabe ao Estado “uma responsabilidade insubstituível no contexto dos direitos humanos”.
“Enormes progressos” que permitem aos EUA dizer que hoje está tudo na mesma ou pior.
“Numa análise profunda das causas, não podemos deixar de mencionar a própria realidade histórica do país. Foram 30 anos em que as pessoas somente assistiram à cultura da violência. Afectou bastante as mentes dos cidadãos”, disse Bento Bembe, reproduzindo as teses oficiais do “querido líder”. Esta é, aliás, uma boa tese que foi recuperada pelo ministro Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Manuel Monteiro Queirós.
No relatório de 2014, o Departamento de Estado norte-americano abordou também a situação da imprensa em Angola, e afirmou que a esmagadora maioria dos meios de comunicação são detidos por “grupos ou indivíduos ligados ao Governo”, enquanto os media privados que “criticam o executivo… sofrem repercussões”.
A este respeito, o Boletim Oficial do regime (o Jornal de Angola) dedicou o editorial ao assunto, titulando que se tratava de uma “avaliação equivocada” por parte de Washington.
“O Departamento de Estado divulgou um relatório onde (sic) afirma que os órgãos de comunicação social em Angola são controlados pelo Estado. Estas coisas ditas ao balcão de um bar, numa amena conversa em estúdios de televisão ou ao estilo de anedota, não merece qualquer reparo”, lia-se no editorial do MPLA.
Depois de salientar a possibilidade de canais de várias nacionalidades, designadamente a CNN, serem vistos em Angola através dos vários servidores de televisão por cabo, o Boletim Oficial destacava que o Estado angolano “nada tinha a ver” com os conteúdos.
“Em democracia, até a propaganda hostil apresentada como informação, tem pernas para andar”, considerou o Boletim Oficial.
Todavia, acrescentava, “para destrinçar entre a informação e a propaganda da CNN, da BBC, RFI, RTP ou outro qualquer canal das grandes democracias ocidentais, é preciso tirar um curso superior. E mesmo assim, as probabilidades de errar são enormes”, porque, “o problema é que o bombardeamento informativo a que (os consumidores) estão sujeitos impede uma leitura clara do que é informação e o que é puro ruído, a forma mais eficaz de censura”.
Por outras palavras, embora com muito menor subtileza, o Boletim Oficial fazia (e continua a fazer) o mesmo que o seu congénere do tempo colonial. Trata-nos como matumbos.
A concluir, o Boletim Oficial afirmava que “escrever no relatório de um organismo tão escutado como é o Departamento de Estado dos EUA que os jornalistas e órgãos de informação angolanos são controlados, é colocar uma etiqueta de menoridade a todos os profissionais que em Angola trabalham na comunicação social e exercer sobre eles uma pressão ilegítima”.
De facto todos sabem (e certamente o JA de agora irá recordá-lo), até mesmo o Departamento de Estado dos EUA, que o Jornal de Angola, a TPA, a RNA, a Angop sempre foram paradigmas de profissionalismo e isenção, comparáveis (embora com muito mais classe) aos seus congéneres norte-coreanos Rodong Sinmun, Joson Inmingun, Minju Choson e Rodongja Sinmum.
Folha 8 com Lusa